sábado, 25 de setembro de 2010

Morto ou vivo? - Um "causo verdadeiro"


CONTOS VERDADEIROS

Sempre gostei de livros. Sou um leitor voraz. Adoro bibliotecas e uma de minhas paixões é a pesquisa. As vezes encontro obras raras, com conteúdos extremamente interessantes.
Foi o que aconteceu na nesta manhã, dia comemorativo do Rio Tietê. Estava garimpando uns livros, quando deparei-me com uma capa repleta de imagens de pessoas com uniformes policiais. “Fardas” antigas, sendo que terminei por me lembrar dos meus 30 anos de serviço, pois algumas delas envergara quando entrei nas fileiras da PM paulista. Chega de memórias pessoais, pois o foco deste artigo é outro.
O livro, publicado pela seção de criação e arte da 5ª EM/PM (Seção do Estado-Maior responsável pelo relacionamento com o público até algum tempo atrás), em 1977, quando o símbolo da Instituição ainda era o “PM Zito” (saudades, pois ele sim era comunitário). Quem conheceu se lembra, aquele PM com o braço direito acenando um cumprimento respeitoso, com um largo sorriso no rosto e na mão fraca (esquerda), como que em respeito ao cidadão, segurava uma flor. Bons tempos!
O livro, finalmente, tem o sugestivo título de “História que nós vivemos” e relatava contos, como descrito na contra-capa, “de fatos reais”. O prefácio, do então Comandante Geral, Coronel Francisco Batista Torres de Melo, escrevia:
Soldado de Floreal, seu presente é a certeza de nosso futuro. Sua fé é que escreve a História desta Polícia Militar, que há de ser enriquecida sempre, enquanto homens de sua têmpera viverem o seu dia-a-dia, enquanto alguém com a sua fé construir o tijolo que edifica sua grandeza.
É a vida do policial, que anônimo constrói uma sociedade mais justa.
Mas, vamos logo ao que interessa. Folheando o livro, entre os vários contos, encontrei um com o título “O morto vivo”. Evidente que me chamou a atenção. Mais surpreso ainda fiquei quando vi o autor, um grande amigo, o então 3º Sargento Delcir Getúlio Nardo.
Uma pérola. Não posso, portanto, guardar esta história somente para mim, principalmente neste mundo globalizado. Assim, tomo a liberdade de transcrever a história desse amigo.

O MORTO VIVO
Quando exercia as funções de comandante do destacamento policial de Araçatuba, atual pelotão de policiamento ostensivo, num sábado, em meados de 1970, após efetuar a ronda nos serviços de policiamento, retornei a sede da Unidade, por volta das 23:00 horas. Deparei com um cidadão dizendo, apavorado, que o carro de seu filho havia sido furtado na cidade de Andradina-SP, na semana anterior e que o rapaz, em perseguição, já havia passado pelas cidades de Dracena e Presidente Prudente, além de várias outras da região da Paulista e Sorocabana. Soubera, naquele dia, que o carro fora visto em Araçatuba.
No momento todas as viaturas estavam a atender ocorrências, sem condições de comunicação por deficiência de rádios. Diante de tal situação, juntamente com dois soldados do destacamento, Hamilton de Almeida Santana e Fausto Loureiro, ocupando o veículo do pai da vítima, saímos em patrulhamento e não demorou muito para que o carro fosse localizado. Estava estacionado defronte a um bar, freqüentado por elementos suspeitos.
Feito o reconhecimento do veículo pelo pai da vítima, adentramos ao bar e, em um dos reservados, havia três casais tomando cerveja.
Todos ali presentes eram desconhecidos. Após fazer o cauteloso porte de armas, perguntei a eles quem ocupava aquele veículo estacionado defronte o bar. Disseram desconhecer e, como estivessem sem documentos, detive todos por suspeita. E, sem meios para o transporte, pedi a um civil que telefonasse ao controle, solicitando uma viatura para a condução dos presos.
Enquanto aguardávamos, ouvi um ruído nos fundos da casa. Determinei ao soldado Hamilton fosse verificar. Nesse momento, aproveitando do desfalque na vigilância, um dos detidos, moreno e forte, saiu em desabalada carreira, ouvindo-se em seguida, um disparo de arma de fogo. Estranhamos, pois aquelas pessoas haviam sido rigorosamente revistadas. O tiro, porém, ficamos sabendo depois, fora dado por um indivíduo, que já havia sido detento na cadeia de Araçatuba e que estava em companhia do que tentara evadir-se.
Não foi difícil alcançar o fugitivo. Difícil foi dominá-lo, pois era um elemento bastante forte e eu não podia contar com a ajuda dos demais policiais. Eles vigiavam os outros detidos. Após alguns minutos de luta, bati com a cabeça dele no muro que ele desejava saltar, provocando-lhe um pequeno corte e desmaio.
Algemados, determinei aos dois PMs que os conduzissem à delegacia de polícia, em uma Kombi particular. Eu fiquei nas proximidades do carro furtado, para a eventualidade de que outro retornasse para buscá-lo.
Na delegacia, apurou-se tratar de marginal de alta periculosidade. Confessou que ocupava o veículo furtado, mas que a chave estava como que dera o tiro enquanto fugia. Revistado, encontramo-la na bainha de sua calça.
Os outros dois e as três mulheres foram liberadas.
Com a confirmação, logo depois, que o autor do disparo havia se evadido, desloquei-me, até a delegacia de polícia, conduzindo o carro furtado.
Houve uma autuação em flagrante delito e, em seguida, conduzimos o autor do furto ao pronto-socorro para receber curativos no ferimento do choque contra o muro.
Na própria delegacia de polícia, o ladrão já comentou que iria “acertar contas” comigo, assim que pudesse.
Depois de recolhido na cadeia de Andradina, para onde foi levado, continuou propalando a sua idéia de vingança. Chegou, inclusive, a prestar queixa em juízo, alegando que a bala que tinha na coxa, resultara de um disparo efetuado por mim, no ato da detenção. O juiz daquela cidade determinou investigações a respeito. Fui intimado para depoimentos. Nada, porém foi provado. A bala era resultado de antigo tiroteio e, nas peças iniciais de sua prisão, somente constava o ferimento no couro cabeludo.
Em 10 de fevereiro de 1971, fui alertado através de um telefone do cabo Acialde, de Andradina, que o preso fora liberado e comentou que viria a Araçatuba, “acertar umas contas”. O cabo ficou preocupado pelo motivo do preso já ter comentado, outras vezes, sua idéia de vingança.
Na noite do dia seguinte, quase todo o efetivo do destacamento encontrava-se empenhado na busca do marginal que havia assassinado o soldado Dirceu Gonçalves do Santos. Nessa noite ele chegou a Araçatuba. Procurou-me na cidade e não me encontrou porque eu estava na referida diligência. Ele foi até a casa de uma das testemunhas do fato e que bebia com ele no ato da detenção. Disse-lhe para se preparar, pois iria acertar as contas comigo e depois voltaria para acabar com ela, caso não concordasse e viajar em sua companhia.
Tão ousado, chegou a procurar-me através do cabo encarregado de uma viatura de RP.
Depois disso o indivíduo ausentou-se e, dias após, chegava uma mensagem (rádio) para a delegacia de Araçatuba, comunicando que o mesmo havia sido assassinado numa cidade de Minas.
Começaram então algumas investigações pela justiça de Araçatuba, intimando, por várias vezes, aquela mesma testemunha já citada. A mesma quis saber o motivo de somente ela ser intimada e não outras que também presenciaram os fatos. Inquirida se sabia por que o marginal tinha vindo a Araçatuba, respondeu que o principal motivo era vingar-se do policial que o havia prendido e dela que, como testemunha, o havia prejudicado.
Na ocasião perguntaram-lhe também se eu pretendia alguma coisa contra o marginal, como represália às ameaças que ele me fazia. Respondeu negativamente. Perguntada ainda se sabia que o marginal havia sido assassinado e que a suspeita recaía sobre mim, respondeu negativamente a ambas as questões.
A testemunha procurou-me dias depois para colocar-me a par da situação. Antes, porém, de qualquer providência de minha parte, o marginal foi visto na mesma cidade de Araçatuba, ocupando um veículo furtado. Constatava-se assim que, a mensagem, “vinda” de uma das delegacias do estado de Minas Gerais comunicando sua morte, era fictícia.
Novamente, algum tempo depois, chegava outra mensagem, comunicando que ele fora morto quando tentava furtar uma camioneta, na cidade de Goiânia. Dessa vez também a notícia era falsa. O autor da mensagem era o próprio irmão do criminoso.
O marginal usava essas artimanhas para, admitida a hipótese de que estava fora de circulação, desviar as suspeitas e agir livremente, sem ser molestado pelas autoridades.
Consta que no final de 1972 ou início de 1973 o referido marginal foi morto, com uma rajada de metralhadora, quando contrabandeava na fronteira do Paraguai e, já que gostava de morrer para viver melhor, essa notícia também pode ser considerada duvidosa.
O que valoriza este relato não é em si a prisão do marginal, realizada em estrito cumprimento do dever, nem as ameaças a que todo policial esta sujeito, mas a importância da evidência de uma prova, pois, visto o marginal dirigindo um automóvel como foi, o mantenedor da ordem deixou de ser o principal suspeito de sua morte...”

Parabéns Getúlio. Belo conto. Entretanto ainda fica uma dúvida: será que ele esta morto?

PS: Nosso amigo Getúlio ainda mora em Araçatuba e esta em franca atividade política. Espero que ele possa ler e relembrar-se deste texto, contando para seus filhos, netos e bisnetos. Valeu amigo!

Um comentário:

  1. Obrigada por compartilhar esse belo conto que, como foi dito, dá-se a importância da evidências de uma prova, sem se abster da veracidade dos fatos. Valorizar a evolução dos tempos pois, com poucos recursos, realizava-se um exemplar trabalho policial, tendo como principal arma a coragem e a braveza que fazia do policial, uma autoridade respeitada e honrada que não temia às ameaças mas se precavia diante delas. Parabéns, Jefferson por sua atitude que considero uma homenagem ao Sr Getúlio por ter sido um policial exemplar exercendo suas funções conforme os recursos que tinha e, tenho certeza, DEUS protegeu-o em todos os momentos de sua carreira assim como, está presente até hoje em sua vida!. Abraços
    Estela

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