sexta-feira, 7 de março de 2014

PCC no Paraná



Como o PCC se instalou no Paraná


Manuscrito, vídeos e fotos revelam a presença da facção criminosa no estado. A força do grupo é preocupante
Publicado em 05/03/2014 | FELIPPE ANÍBAL    


"O Comando não tem limite territorial. Todos os integrantes que forem batizados são componentes do PCC independente da cidade estado ou país.” O trecho consta de um manuscrito em folha de almaço, encontrado no fim do ano pela Polícia Civil na casa de um traficante, em Curitiba. Trata-se de uma versão do estatuto do Primeiro Comando da Capital, facção nascida na década de 1990 nos presídios paulistas. É mais um elemento que evidencia a presença do grupo criminoso no Paraná.
O texto – um manual de conduta dos “faccionados” e que faz referência à “ética do crime” – não é o primeiro documento a comprovar que o “Comando” se esgueira dentro e fora dos presídios paranaenses. Em janeiro, a Gazeta do Povo teve acesso a vídeos de detentos bradando o grito de guerra do PCC na Penitenciária Estadual de Piraquara-I (PEP-I), além de fotos com as siglas da facção na parede de celas.
Duas cidades do Paraná estavam na rota de fuga de um plano para libertar Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder da facção, preso no interior de São Paulo. Agentes penitenciários, delegados, sindicatos e especialistas em segurança dão indícios de como o “partido do crime” tem se articulado no estado.
“Batismo”
Os novos faccionados são abordados pelo PCC logo ao dar entrada nos presídios. Se for “batizado” na facção, o detento recebe proteção, auxílio jurídico e sua família chega a ter apoio financeiro. Em contrapartida, continuará ligado ao PCC quando ganhar liberdade e permanecerá leal ao grupo.
“Eles ampliam suas garras atuando como se fossem uma cooperativa de presos”, pontua o ex-secretário Nacional de Segurança José Vicente da Silva. “Se o preso se filiar, é obediência eterna. Se o Comando mandar render um agente, ele rende. Mandou matar, ele mata”, ressalta um agente penitenciário.
O artigo 11 do estatuto deixa isso claro: “toda missão destinada deve ser concluída”; “aquele irmão que falhar, por fraqueza, deslealdade e desinteresse” será excluído. Aos considerados traidores, “a cobrança será a morte”.
No Paraná, optou-se por isolar os membros do PCC. Eles estão concentrados principalmente na PEP-I e no bloco 4 da Penitenciária Central do Estado (PCE). Um agente conta que na PCE os líderes da facção chegavam a se reunir a portas fechadas com diretores do presídio. Usufruíam de regalias, como visitas facilitadas e acesso a produtos de fora da prisão. “Eles mandam ali. O poder que têm é maior do que se imagina.”
A facção está presente tam­bém em delegacias de Curitiba, embora de forma menos ostensiva. “Todos sabem quem são [os faccionados] e que atrás deles tem uma rede, irmanada em torno do mesmo objetivo. Só não tem o grito de guerra, mas tem todo o resto”, diz o presidente do Sindicato dos Investigadores (Sipol), Roberto Ramires.

Há um mito em torno da facção, diz promotor
Apesar dos vestígios da presença do PCC no estado e de um estudo do Ministério Público de São Paulo apontar que o Paraná é a segunda unidade da federação em que a facção está mais arraigada, especialistas em segurança pública sugerem que o “partido do crime” não está tão articulado por aqui como faz parecer. O Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) aponta que não há uma liderança da facção no Paraná, o que pulveriza e enfraquece as ações.
“Existe uma mitificação do PCC no estado. O que há são algumas células distintas, que não se comunicam entre si. Tem um grupelho aqui, outro ali. Alguns os obedecem”, diz o coordenador do Gaeco no estado, Leonir Batisti.
Ex-secretário Nacional de Segurança, José Vicente da Silva também atenta para uma “romantização” do PCC e duvida que haja uma estrutura organizada no Paraná. Ele avalia que a articulação do Comando se resume no sentido de dar assistência jurídica aos presos e alguma garantia aos familiares, mas que esse aparelhamento não chegue a definir ações criminosas do estado.
“O crime verdadeiramente organizado está bem distante do pessoal de bermuda e chinelo do PCC. Crime organizado são as quadrilhas que exportam 50 mil quilos de cocaína para a África e Europa. São as quadrilhas com dinheiro para comprar autoridades”, disse.
Segundo Batisti, várias investigações realizadas pelo Gaeco apontaram que vários suspeitos usavam o nome do PCC, sem, de fato, ser “filiado” à facção. “O bandido faz isso para parecer perigoso, para ‘aparecer’ perante o outro.”

Movimentação dos faccionados é monitorada
O principal trunfo das forças de segurança no combate a facções criminosas é o serviço de inteligência. Por meio de análise de dados e do monitoramento de membros dos grupos, familiares de presos e até de advogados, a polícia consegue antever eventuais ataques dos bandidos e se preparar para impedir que ocorram.
A Gazeta do Povo teve acesso a dois e-mails encaminhados a policiais do Paraná pelo serviço de inteligência, informando-os da movimentação de presos ligados ao PCC. Uma das mensagens eletrônicas era um alerta para um possível “salve” [ação coordenadas, como ataques fora dos presídios]. Os atentados não chegaram a ser deflagrados.
Os detalhes da atuação do serviço de inteligência não são revelados pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), por se tratar de uma questão estratégica. A pasta apenas diz que o trabalho é realizado por “profissionais altamente qualificados” e que o monitoramento ocorre de forma integrada, principalmente com a Polícia Federal.
Ex-secretário Nacional de Segurança, José Vicente da Silva não acredita que novos “salves” devam ocorrer. “Isso é muito blefe. Geralmente, os bandidos dizem isso em ligações telefônicas porque sabem que estão sendo monitorados e querem causar terror”, resumiu. O especialista reitera que, apesar disso, a vigilância deve ser constante. “A polícia do Paraná tem condições de dar conta disso. Não se pode descuidar nem dar credibilidade a esse tipo de ameaça”, diz.


Até bingo financia o grupo criminoso
O estatuto apreendido em Curitiba detalha que o PCC está firmado em conceitos de “hierarquia e disciplina”, dentro da “ética do crime”. Para desenvolver suas ações e suportes, a cartilha destaca a existência de uma estrutura financeira, “a cargo e responsabilidade do comando”.
O texto não faz referência a valores, mas agentes penitenciários e policiais ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que cada membro paga à facção uma mensalidade de cerca de R$ 600. Além de lançar mão de ações como assaltos para ampliar a arrecadação, o grupo também realiza bingos e rifas, inclusive dentro das penitenciárias.
Um agente da PEP-I conta que, em dias de vista, os familiares dos presos são obrigados a comprar rifas e cartelas. Os bingos – com prêmios como carros e motos – chegaram a ser realizados nas galerias. “Se a família não comprar, o preso paga o pato lá dentro”, diz o agente.
O ex-secretário nacional de Segurança José Vicente da Silva minimiza a organização financeira do grupo, apontando que esta se resume a dar suporte jurídico e “pagar ônibus para que as famílias visitem os presos”. “Uma prova da fraqueza financeira são as rifas e bingos. Crime organizado não faz isso.”

A ética do crime
Veja em algumas frases o que diz o estatuto do PCC.
• “Lutar sempre pela Paz, Justiça, Liberdade, Igualdade e União, visando o crescimento da massa e da organização, respeitando a ética do crime.”
• “Aquele integrante que tentar causar divisão dentro do Comando, desrespeitando esses critérios, será excluído e decretado!”
• “Aquele integrante que for para a rua tem a obrigação de manter contato com a sintonia da sua quebrada (...), deixando claro que não somos sócios de um clube e sim integrantes de uma facção criminosa (...). Sendo assim, o Comando não pode admitir acomodações, fraquezas, diante da nossa causa.”
• “O Comando não admite entre seus integrantes estrupadores (sic), homossexuais, pedófilos, caguetas (sic), mentirosos, covardes, opressores, chantagistas (sic) (...) e outros que ferem a ética do crime!”
“O crime fortalece o crime”
• “Aquele que usufruir dos benefícios que o Comando conquistou e pedir para sair (...) será avaliado. Se constatado que o mesmo agiu com oportunismo, o mesmo poderá ser visto como traidor, tendo uma atitude covarde e o preço é a morte!”
• “Toda missão destinada deve ser concluída (...). Aqueles que forem aprovados, tem como dever acatá-la (...). Essas ações incluem principalmente ações de resgate e outras operações restritas do Comando (...). Aquele irmão que falhar na missão por fraqueza, deslealdade e desinteresse será automaticamente excluído pela sintonia. Se vazar ideias, a cobrança é a morte!”
• “Vida se paga com vida, sangue se paga com sangue!”

Saída passa pelo enfrentamento, diz especialista
Oficialmente, o governo do Paraná passou a admitir os braços do PCC no estado em dezembro do ano passado. Em janeiro, no entanto, o governador Beto Richa (PSDB) negou a atuação da facção por aqui. A Secretaria de Estado da Segurança Pública nunca falou abertamente sobre o grupo. Sempre que questionada, a pasta se manifesta por meio de uma nota enxuta e lacônica.
Apesar disso, estima-se que o PCC esteja no Paraná desde 1998, quando três de seus fundadores foram transferidos de São Paulo para a Penitenciária Central do Estado (PCE), em Piraquara. Para o coordenador do Núcleo de Estudos Sobre Segurança Pública da Universidade Tuiuti e delegado da Polícia Federal, Algacir Mikalovski, reconhecer a presença do grupo é o primeiro passo para combatê-lo.
“É preciso ter um posicionamento de enfrentamento. É preciso ir ao encontro do problema para controlá-lo. Isso o governo não fez abertamente até agora”, disse.
A falta de posicionamento claro do governo em relação à facção gera angústia em policiais e delegados. “A gente lida com esses bandidos todos os dias. É gente ruim. Aí vem o governador e nega [que o PCC atue no estado]. Ficamos feito bobos”, sintetiza um delegado.
Já o coordenador do De­partamento Penitenciário, Cezinando Paredes, ressalta que o estado nunca perdeu o domínio dos presídios. “Estaria mentindo se dissesse que não estamos em situação de alerta, mas em nenhum momento foi perdido o controle das unidades prisionais do estado.”
 Fonte: Gazeta do Povo (5 de março)

PCC avança nas penitenciárias do PR

Facção criminosa que surgiu em São Paulo ganha força em presídios do estado. Rituais, gritos de guerra e inscrições identificam membros do grupo

 Publicado em 16/01/2014 |


Quatro vídeos gravados entre dezembro de 2013 e janeiro deste ano, na Penitenciária Estadual de Piraquara-I (PEP-I), mostram o que parece ser um ritual dos presos cooptados pelo PCC. Diariamente, durante o banho de sol, os detentos formam um grande círculo, em que um deles puxa o grito de guerra da facção. Ao final, todos gritam: “PCC, paz, justiça, igualdade e união para todos”.
O grupo criminoso também demonstra ostensividade por dentro das grades. As celas que abrigam integrantes do PCC têm na porta a sigla da facção, grafada de forma improvisada pelos detentos. Nas paredes da primeira galeria, algumas armas desenhadas vêm acompanhadas de inscrições provocativas, como “Somos criados para matar”, “mente terrorista” e “contra opreção” (sic).

Instabilidade

Segundo o Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen), desde dezembro aumentaram as apreensões de “estoques” (armas improvisadas, feitas pelos próprios presos a partir de pedaços de ferro) e serras. Também tem sido maior o volume de celulares e de drogas que familiares tentam repassar aos presos, em marmitas e sacolas. As imagens feitas pelos agentes também mostram escavações em paredes e buracos, o que, segundo o sindicato, evidencia as sucessivas articulações dos presos, na tentativa de fugir.

“A situação é de total instabilidade. Precisamos de mais segurança para trabalhar”, resumiu o vice-presidente do Sindarspen, Antony Johson.

A tensão não é uma exclusividade da PEP-I. Ao lado, na Penitenciária Central do Estado (PCE), os presos “faccionados” estão confinados no quarto bloco, onde há quatro galerias e 240 detentos. Um agente penitenciário que trabalha na unidade diz que os membros do PCC é quem dão as cartas por ali. Segundo ele, chegavam a se reunir a portas fechadas com a administração do presídio, para ter acesso a regalias, como alimentação diferenciada e acesso a produtos de fora da penitenciária.

“Eles [os presos do PCC] são completamente indisciplinados. Não aceitam ordens. Reagem a cusparadas, com xingamentos. Semana passada, um deles jogou uma marmita quente na cara de um colega nosso. E nós não podemos reagir. É impossível a ressocialização num ambiente desses”, disse.

Faccionados estão isolados, diz Depen

O governo do Paraná passou a reconhecer oficialmente as ramificações do PCC no estado em dezembro de 2013, quando o MP-SP divulgou um mapeamento da facção criminosa. O relatório apontava pelo menos 656 “faccionados” no estado. Ontem, o coordenador do Departamento Penitenciário (Depen), Cezinando Paredes, reconheceu a presença do grupo criminoso nos presídios paranaenses e que esses detentos demandam “maior preocupação”.

Paredes disse que, quando reassumiu o Depen, havia uma “crise em algumas unidades”, mas destacou que a situação está sob controle. A Secretaria de Estado da Segurança Pública, em nota, disse que as ações de inteligência “não são divulgadas por questões estratégicas”.

“Moeda de troca”

Em três motins ocorridos em menos de 40 dias em presídios do estado, os detentos exigiam transferência para outras cidades. Para um agente da PCE – que não quis ser identificado – a situação expõe os diversos riscos da categoria. Segundo ele, a unidade não dispõe de mecanismos básicos de segurança, como algemas e cadeados. “Viramos moedas de troca. Nos fazem reféns, exigem transferência e são transferidos”, afirmou.

Jogo de futebol marcou a criação de facção
Bruna Komarchesqui

Um jogo de futebol em 31 de agosto de 1993, entre detentos da capital e do interior, foi o marco da criação do Primeiro Comando da Capital (PCC), na Penitenciária de Taubaté, interior de São Paulo. Autor de três livros sobre o tema, o jornalista Josmar Jozino, um dos primeiros a divulgar a existência da facção, explica que os presos vinham se organizando, inclusive com a elaboração de um estatuto, para evitar novos massacres como o do Carandiru, ocorrido no ano anterior. “Era uma espécie de sindicato dos detentos,” diz o jornalista.

Os criminosos foram conquistando apoio da população carcerária, após medidas como a proibição do uso de crack nas penitenciárias, o fim das mortes violentas e da violência sexual. “Eles passaram a cobrar mensalidade em troca de proteção. Então, descobriram que o celular é uma arma mais poderosa que o fuzil e passaram a comandar negócios, roubos a banco e o tráfico de dentro das prisões”, detalha.

Um raio X do PCC, concluído pelo Ministério Público Estadual (MPE) de São Paulo no fim do ano passado, após três anos e meio de investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), resultou na denúncia de 175 pessoas e no pedido à Justiça de internação de 32 presos.

O MPE estima que a migração para outros estados tenha começado pelo Paraná, por fatores como a proximidade geográfica. Conversas telefônicas interceptadas pelo Gaeco mostram que o PCC faz contato com DDDs de 22 estados. A maior concentração do grupo ainda é em São Paulo, onde domina 90% das penitenciárias.
1 refém e 18 transferências
Depois de manter um agente penitenciário refém por mais de cinco horas ontem, 18 presos da Penitenciária Central do Estado (PCE), em Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, tiveram seus pedidos atendidos e foram levados para o interior do estado à noite. De acordo com a previsão da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju), dois camburões deveriam sair em direção a Londrina e Maringá, no Norte do estado, e Foz do Iguaçu, no Oeste. Ainda de acordo com a Seju, esses presos já haviam solicitado transferência para ficar mais perto de onde moram suas famílias. O acordo era que os presos liberassem o agente assim que os camburões e a escolta para levá-los às cidades do interior estiverem preparados. Até o fechamento desta edição, os veículos ainda não haviam chegado à PCE.

OAB
Superlotação é problema crônico em delegacias do estado

A OAB-PR trabalha em um novo relatório sobre a situação das delegacias do estado, que chegam a abrigar oito vezes mais detentos que a capacidade máxima. Uma das situações mais críticas é a do 11º DP, na capital, que tem 25 vagas, mas está com 164 presos. “Fazemos vistorias constantes e enviamos os relatórios às secretarias de Segurança e Justiça. Mas, pela dimensão do problema, o avanço não tem sido significativo”, critica o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR, José Carlos Cal Garcia Filho. Na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), a delegacia de São José dos Pinhais mantém 106 presos em um espaço onde só caberiam 24, número parecido com o de Colombo. Em Piraquara, a capacidade da delegacia é de oito detentos, mas há 45. Em Fazenda Rio Grande, 71 detentos ocupam um espaço que deveria ser destinado a apenas 26.

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1440080

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