A tática da PM
27 de fevereiro de 2014 | 2h 10
O Estado de S.Paulo
O sucesso da tática utilizada pela Polícia Militar (PM)
de São Paulo para coibir a violência nas manifestações de protesto do
último fim de semana, na capital, isolando os manifestantes mais
violentos e detendo cerca de 260 pessoas, levou o ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, a propor que os governos estaduais avaliem a
possibilidade de adotá-la. A ideia é discutir essa tática já na próxima
reunião do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública, que vem
estudando medidas preventivas contra arruaças, depredações e atos de
vandalismo durante a Copa do Mundo.
Surpreendidos com os cordões de isolamento formados por policiais
militares portando algemas e cassetetes e treinados em artes marciais,
porta-vozes de coletivos e de movimentos sociais acusaram a PM de
impedir os direitos de reunião e de livre manifestação de pensamento
assegurados pela Constituição. Membros do grupo Advogados Ativistas, que
assessoram os manifestantes, acusaram a PM de ter exorbitado de suas
prerrogativas, cometendo "abuso de autoridade". Esses advogados também
disseram que a formação dos cordões de isolamento seria ilegal, pois
impede os manifestantes de atender às necessidades fisiológicas básicas,
de sair do local e de se comunicar com os articuladores dos protestos, o
que configuraria privação de liberdade.
Essas críticas não são novas. Desde que a tática do isolamento de
manifestantes violentos - conhecida como kettling, containment ou
corraling - foi adotada pela primeira vez, em 1986, na cidade alemã de
Hamburgo, durante uma manifestação contra o uso de energia nuclear,
grupos de protesto e movimentos sociais questionam sua legalidade.
Na ocasião, cerca de 800 manifestantes violentos ficaram sob tutela,
contidos por um cordão de isolamento durante 13 horas, sem poder comer e
ir ao banheiro. A corte administrativa hamburguesa acolheu os recursos
impetrados por ONGs e movimentos sociais e o Tribunal de Justiça
regional obrigou o poder público a pagar uma indenização por dano moral a
cada manifestante que foi isolado pela polícia.
A discussão jurídica continuou nos anos seguintes, até que, em 2012, a
Corte Europeia de Direitos Humanos, julgando um caso ocorrido na
Inglaterra, considerou legal a contenção de manifestantes violentos por
cordões de isolamento. A Corte entendeu que a tática de isolamento não
configura privação de liberdade nem constitui uma violação da Convenção
Europeia de Direitos Humanos.
Também afirmou que, quando cerca de 1.500
manifestantes ficaram isolados por mais de cinco horas, essa tática foi a
única saída viável encontrada pela polícia londrina para garantir a
segurança pública e impedir que as autoridades perdessem o controle da
situação. Alegou ainda que essa tática garantiu a integridade física de
manifestantes pacíficos. Por fim, a Corte Europeia de Direitos Humanos
argumentou que, entre preservar o interesse público e privar
desordeiros, arruaceiros e manifestantes violentos de suas necessidades
básicas, deve prevalecer o interesse da maioria.
Na última década, a tática do kettling já foi adotada pelas polícias
de países com regime democrático consolidado, como Canadá, Dinamarca,
Finlândia, França, Alemanha, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos. Na
maioria das vezes, essa tática foi utilizada para impedir que protestos
liderados por grupos violentos impedissem a realização de reuniões de
organismos multilaterais, como Banco Mundial, Fundo Monetário
Internacional, Organização Mundial do Comércio e Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Além de garantir a incolumidade
física e patrimonial das pessoas, os cordões de isolamento da polícia
ajudaram a desarticular a organização dos movimentos de protesto.
Evidentemente, a tática do kettling, containment ou corraling pode
resultar em abuso de poder. Mas, posta em prática sem excessos e com
regras claras, ela pode ser decisiva para evitar que movimentos
legítimos de protesto se convertam em vandalismo.
Fonte: Jornal o Estado de São Paulo
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