sábado, 27 de agosto de 2011

Saquinhos de Supermercado



Há mais de uma década eu assinava uma revista científica que vinha embalada com o tal plástico. Ele foi imediatamente para a composteira, o melhor lugar do mundo para biodegradação, com água, microorganismos e nutrientes à vontade. Seis meses depois me cansei. Tirei, lavei (estava intacto, como novo!) e o mandei para reciclagem. Quando os supermercados começaram a usar o saquinho oxibiodegradável, de novo peguei uma amostra, escrevi a data e coloquei na composteira. Tudo igual. Agora fui mais longe: minha esposa grávida tirou uma foto com o saquinho e nosso filho fará o mesmo, ano após ano. Este menino vai concluir o curso superior e o saquinho oxibiodegradável estará igual. Minha visão pessoal foi confirmada no artigo científico Polietileno degradável, fantasia ou realidade, assinado por Roy et al – gente que entende muito mais de química do que eu –, na Environmental Science & Technology, em abril de 2011. Na verdade tudo que estes saquinhos fazem é que eles se despedaçam na presença de calor, luz e oxigênio, mas em níveis muito superiores aos normais. Ainda pior, o interior de lixões/aterros sanitários tem os três fatores muito baixos. De qualquer jeito, você preferiria limpar um terreno baldio com 10 saquinhos ou 1000 pedacinhos? A única função do saquinho oxibiodegradável é aplacar a consciência daqueles que não conseguem organizar-se para usar uma sacola de compras igual a da vovó-ir-à-feira, que resolve não só a poluição, mas também o problema de carregar várias sacolinhas que machucam a mão e complicam a vida. Em entrevista recente, James Lovelock (1) disse que preocupar-se com saquinhos é como preocupar-se em arrumar as cadeiras do Titanic enquanto ele afunda. Ele está certo que o saquinho é uma parte pequena do gasto de combustíveis fósseis (de fato importa muito mais como você vai às compras do que como as carrega), mas está errado na escolha da metáfora. O saquinho está mais para a orquestra do Titanic, que continuou tocando enquanto o barco afundava. Concretamente não fez diferença, mas ajudou melhorando o espírito geral. Estranho muito Lovelock criticar a luta contra os saquinhos, porque ele mesmo criou uma importante metáfora ambiental – Gaia –, que mesmo não fazendo sentido algum, fez muita gente pensar e agir melhor. As pessoas começam preferindo o saquinho oxibiodegradável, passam para a sacola de compras, daí vão às compras de bicicleta, para terminar se perguntando se precisam mesmo ir às compras. 

Efrain Rodrigues . www.ecodebate.com.br (17/05/2011).
 
(1) James Lovelock, criador da teoria de Gaia e inventor do detector de captura de elétrons (ECD), que tornou possível a detecção de gases CFC (clorofluorocarboneto e de outros nanopoluentes atmosféricos). Os artigos científicos de Lovelock estão disponíveis em www.jameslovelock.org/page0.html

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