quinta-feira, 20 de junho de 2013

Globalização e crime - Apenas um ensaio!



Para definir o termo globalização, sirvo-me, inicialmente, dos ensinamentos de Bauman [1]:
A “globalização” está na ordem do dia; uma palavra da moda que se transforma rapidamente em um lema, uma encantação mágica, uma senha capaz de abrir as portas de todos os mistérios presentes e futuros. Para alguns, “globalização” é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém, “globalização” é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira. Estamos todos sendo “globalizados” — e isso significa basicamente o mesmo para todos. (grifo nosso)

Não há dúvida de que a globalização influencia o modo de vida das pessoas, incluindo também o adolescente. Zaluar, em reportagem a Folha de São Paulo [2], afirma que a globalização apresenta efeitos “paradoxais”, pois na mesma medida que influencia as políticas públicas dilui a importância do Estado-nação:

A GLOBALIZAÇÃO tem tido efeitos paradoxais. De um lado, a concentração econômico-financeira dilui a autonomia das empresas nacionais e a importância do Estado-nação. De outro, uma rede de informações célere e eficiente permite novas e rápidas formas de comunicação entre pessoas em diferentes cidades, países, continentes ou de diversas idades, gêneros, preferências, religiões e estilos de vida. (destaque do autor)

Neste sentido o paradoxo relatado por Zaluar não pode colidir com a ideia de que o Estado deve ser um empreendedor social, um provedor e garantidor de direitos. O que se modifica, entretanto, é a forma de como isto pode ocorrer, haja vista que na sociedade globalizada e permeado por informações de todo “o mundo” as alternativas são multiplicadas e a difusão da informação ganha em velocidade e espaço.
Uma das características deste processo, conforme indicado por Bauman [3], consiste na possibilidade de que as pessoas “percam o controle de suas vidas”, em face da quantidade de estímulos que podem sofrer diariamente, chegando a instituir uma “nova desordem mundial”.

Esta nova e desconfortável percepção das “coisas fugindo ao controle” é que foi articulada (com pouco benefício para a clareza intelectual) num conceito atualmente na moda: o de globalização. O significado mais profundo transmitido pela ideia da globalização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo. A globalização é a “nova desordem mundial” de Jowitt com um outro nome.

Esta desordem mundial é indicada, de forma transversal, por Fridman [4] no momento em que “todos experimentam uma profunda insegurança em virtude do veloz desmantelamento e da sucessiva reconstrução das instituições sociais”, que é fruto deste processo de globalização.
Bauman [5] reforça a ideia de Fridman ao afirmar que no fenômeno da globalização “há mais coisas do que pode o olho apreender; revelando as raízes e consequências sociais do processo globalizador”. É a incerteza total, a insegurança global.
Estamos, assim, inseguros, desmantelados, reconstruindo instituições, globalizados, apreendendo e com um sentimento de incerteza. Como “controlar” esta situação? Como viver neste caos? A saída seria uma sociedade disciplinar? Deleuze [6], comentando Foucault, explica que nos “encontramos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família”, num ambiente globalizado e sem fronteiras. Se não possuímos fronteiras, onde estamos? Ao lado desta incerteza, Bauman [7] aponta o surgimento de um novo fenômeno: a localização.

O que para alguns parece globalização, para outros significa localização; o que para alguns é sinalização de liberdade, para muitos outros é um destino indesejado e cruel. A mobilidade galga ao mais alto nível dentre os valores cobiçados — e a liberdade de movimentos, uma mercadoria sempre escassa e distribuída de forma desigual, logo se torna o principal fator estratificador de nossos tardios tempos modernos ou pósmodernos. (grifo nosso)

Localização é liberdade? Dúvida semântica! Como estou globalizado e ao mesmo tempo localizado? Se estou localizado, como posso ter mobilidade? Afinal, o que é liberdade? Estes sentimentos geram a liberdade que, segundo Fridman [8] “não esta sujeita ao controle de nenhuma nação, grupo de nações, empresas ou agências internacionais” e que “influi diretamente sobre as instituições nacionais e abarca o cotidiano de nossas vidas”. Para ele, “família, trabalho, tradição e natureza não permanecem iguais ao que foram no passado recente”. Tudo supostamente se reforma! [9]
Neste paradoxo de estar em um lugar, mas conviver com outras culturas e costumes, a pessoa humana se sente violentada. Observe o ensinamento de Bauman [10]:

Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social. Os desconfortos da existência localizada compõem-se do fato de que, com os espaços públicos removidos para além do alcance da vida localizada, as localidades estão perdendo a capacidade de gerar e negociar sentidos e se tornam cada vez mais dependentes de ações que dão e interpretam sentidos, ações que elas não controlam — chega dos sonhos e consolos comunitaristas dos intelectuais globalizados. (grifo nosso)

Estamos todos violentados, inclusive o adolescente em conflito com a lei. Outro ponto importante e que afeta a vida do adolescente e, consequentemente, o trabalho com ele é o processo de segregação. Bauman [11] explica:

Uma parte integrante dos processos de globalização é a progressiva segregação espacial, a progressiva separação e exclusão. As tendências neotribais e fundamentalistas, que refletem e formulam a experiência das pessoas na ponta receptora da globalização, são fruto tão legítimo da globalização quanto a “hibridização” amplamente aclamada da alta cultura — a alta cultura globalizada. Uma causa específica de preocupação é a progressiva ruptura de comunicação entre as elites extraterritoriais cada vez mais globais e o restante da população, cada vez mais “localizada”. (sic) (grifo nosso)

São os chamados muros invisíveis apontados por Tereza Pires do Rio Caldeira [12]. Cria-se, assim, uma cruel “distinção entre ricos e pobres, nômades e sedentários, ‘normais’ e anormais ou à margem da lei que se polarizam e se entrelaçam mutuamente” [13]. Bauman [14] explica:

As elites escolheram o isolamento e pagam por ele prodigamente e de boa vontade. O resto da população se vê afastado e forçado a pagar o pesado preço cultural, psicológico e político do seu novo isolamento. Aqueles incapazes de fazer de sua vida separada uma questão de opção e de pagar os custos de sua segurança estão na ponta receptora do equivalente contemporâneo dos guetos do início dos tempos modernos; são pura e simplesmente postos para “fora da cerca” sem que se pergunte a sua opinião, têm o acesso barrado aos “comuns” de ontem, são presos, desviados e levam um choque curto e grosso quando perambulam às tontas fora dos seus limites, sem notar os sinais indicadores de “propriedade privada” ou sem perceber o significado de indicações não verbalizadas mas nem por isso menos decididas de “não ultrapasse”. (grifo nosso)

Estes muros invisíveis apenas discriminam, pois “os pobres não habitam uma cultura separada dos ricos; eles têm que viver no mesmo mundo ideado em benefício dos que têm dinheiro. E sua pobreza é agravada pelo crescimento econômico” [15] (verifica-se que o adolescente pobre e da periferia busca os mesmos sonhos e bens patrimoniais da classe mais abastada). Surge, assim, um comportamento considerado ideal ou que é o esperado pela maioria dos cidadãos. Aqueles que por qualquer motivo deixam de atender este “modelo” são criminalizados. Bauman [16] já advertia sobre isto:

A tendência atual de criminalizar casos que não se adequam à norma idealizada e o papel desempenhado pela criminalização para compensar os desconfortes da “vida em movimento” tornando ainda mais odiosa e repulsiva a imagem da realidade da vida alternativa, a vida da imobilidade. A complexa questão da insegurança existencial colocada pelo processo de globalização tende a se reduzir à questão aparentemente direta da “lei e da ordem”. Nesse processo, as preocupações com a “segurança”, o mais das vezes reduzidas à preocupação única com a segurança do corpo e dos bens pessoais, são “sobrecarregadas” de ansiedades geradas por outras dimensões cruciais da existência atual — a insegurança e a incerteza.

É neste contexto que se estabelece a vida do adolescente em conflito com a lei, onde as oportunidades para os mais ricos de ganhar dinheiro se expandiram com a globalização [17]. A globalização me explora, me segrega e me movimenta. Como lidar com estas circunstâncias se, ao mesmo tempo, ela me fascina? Pode o adolescente entender claramente este processo? Eu compreendo este processo?
Outro aspecto a ser destacado é a indiferença ética rotineira que resulta em descompromisso [18]. O “espetáculo de desastres” transmitido para todos em tempo real pela mídia globalizada, composto de imagens de guerras, assassinatos, drogas, pilhagens, fome etc., contribui o descompromisso do jovem? Em mais um paradoxo, aparentemente não! Correia e Trufem [19] destacam que esta geração de jovens é muito mais participativa:

Nesta primeira década do século XXI observa-se que os adolescentes dispõem de maior acesso ao conhecimento e de mais neutralidade moral. Não há, por exemplo, uma clara definição do que é certo ou errado. O que é certo para um, pode não o ser para outro. É o espaço do relativo. Depende do ângulo em que se observa... É neste século, também, que se observa com maior maturidade o protagonismo juvenil. Protagonismo é a atuação de adolescentes e jovens, através de uma participação construtiva. Envolvendo-se com as questões da própria adolescência/juventude, assim como, com as questões sociais do mundo, da comunidade... Pensando global (O planeta) e atuando localmente (em casa, na escola, na comunidade...) o adolescente pode contribuir para assegurar os seus direitos, para a resolução de problemas da sua comunidade, da sua escola... (RABÊLLO, Maria Eleonora D. Lemos. O que é protagonismo juvenil. Disponível em [http://www.cedeca.org.br/PDF/protagonismo_juvenil_eleonora_rabello.pdf]. Acesso em 23 de abril de 2009)

Em síntese, diante deste quadro delineado pelos pensadores citados, o impacto no trabalho cotidiano junto aos adolescentes em conflito com a lei é permeado por desafios. É preciso entender que o adolescente “pensa global, mas age localmente” e que sua “luta” pode significar a busca por seus direitos e para resolução de seus problemas. Entender a própria globalização e sua influência nas atitudes dos jovens, em seus sentimentos, na sua prática não me parece tão fácil. As dimensões temporal e espacial se modificam e influenciam a juventude, mas não são de “pronto” aceitas pelas gerações que a antecedem. É preciso lembrar que [20]:

A atual geração adolescente é a primeira que cresceu convivendo com o computador dentro de casa. É uma geração que está conectada a várias mídias e ao mesmo tempo. Para eles há muita informação e inúmeras potencialidades 24 horas por dia, sete dias por semana. E não é só isso. As possibilidades se multiplicam com a simultaneidade.

É um desafio. Um exercício de compreensão na busca de entender a questão do adolescente em conflito com a lei. Tal desafio, sob meu ponto de vista, impacta fortemente o cotidiano do profissional que atua com o adolescente em conflito com a lei.


[1] BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Marcus Penchel (Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1999, p. 5.
[2] ZALUAR, Alba. O espetáculo deve continuar. Folha de São Paulo. Disponível em <>. Acesso em: 17 jun. 2013.
[3] BAUMAN, ob cit., p. 58.
[4] FRIDMAN, Luiz Carlos. Laços frágeis, a oferta da contemporaneidade. Texto de estudo em aula, p. 121.
[5] BAUMAN, ob cit., p. 5.
[6] DELEUZE, Gilles. Pós-scriptum sobre as sociedades de controle. Material de aula. Disponível em: <>.
[7] BAUMAN, ob cit., p. 6.
[8] FRIDMAN, ob cit., 123.
[9] DELEUZE, ob cit., p. 1.
[10] BAUMAN, ob cit., p. 6.
[11] Ibidem.
[12] CALDEIRA, Tereza Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. 34 ed. São Paulo: Edusp, 2000.
[13] BAUMAN, ob cit., p. 7.
[14] Idem, p. 24.
[15] SEABROOK apud BAUMAN, ob cit., p. 92.
[16] BAUMAN, ob cit., p. 8.
[17] Idem, p. 69.
[18] Idem, p. 72-73.
[19] CORREIA, Fabiana; TRUFEM, Sandra Farto Botelho. O adolescente no mundo globalizado: experiências e expectativas de um grupo paulistano. Artigo. Disponível em: <>. Acesso em: 18 jun. 2013.
[20] Idem, p. 18.

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