Estudo do Ministério Público Federal (MPF) afirma que o projeto de lei do novo Código Florestal “apresenta
diversas violações à Constituição da República, omissões” e “representa
grave retrocesso na Política Nacional de Meio Ambiente, não trazendo
aperfeiçoamentos relevantes”.
De acordo com o “Grupo de Trabalho Áreas de Preservação Permanente”,
que reuniu oito procuradores da República e peritos do MPF na matéria, o
novo projeto “aprofunda distorções e mergulhará o País em grande
insegurança jurídica, por conta de ações diretas de
inconstitucionalidade, ações civis públicas, descumprimento de
compromissos internacionais, por exemplo, além dos gravíssimos e
irreparáveis danos aos ecossistemas e recursos naturais”.
O iG teve acesso ao documento, intitulado “O Novo
Código Florestal e a Atuação do Ministério Público Federal”, que refuta o
“pseudo-dilema entre preservação ambiental e desenvolvimento
socioeconômico em que se tem sustentado o discurso de defesa do projeto
de lei”. O relatório tem 177 páginas e foi encaminhado nesta semana à
Câmara de Deputados e ao Senado Federal, onde o projeto já foi aprovado
em três comissões e recebe emendas.
Mudanças fragilizam Brasil e a Conferência Rio + 20
De acordo com o texto, as alterações propostas no novo código
contrariam compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em
conferências das Nações Unidas sobre mudança de clima – como o de
Copenhague, em que o País se propôs a reduzir entre 36,1% e 38,9% as
emissões projetadas até 2020. Na avaliação do MPF, essas mudanças
“fragilizarão a participação do Brasil e os próprios resultados da
Conferência Rio+20”, que ocorrerá em 2012 no País.
“A exclusão da proteção de mangues, restingas e de várzeas como áreas
de preservação permanente, assim como a permissão de exploração do
Pantanal sem critérios ambientalmente seguros, afronta diretamente tais
compromissos, além de ser inconstitucional.”. O trabalho diz que a
dispensa de recuperação de 3,8 milhões de hectares na caatinga “é
claramente contrária aos objetivos da Convenção Internacional de Combate
à Desertificação”, assinada pelo País.
Um dos pontos mais atacados pelo grupo de estudo do MPF é a definição
de “área rural consolidada” no novo código, que admite imóveis com
edificações, benfeitorias ou atividades silvopastoris com ocupação
anterior a 22 de julho de 2008. Para os procuradores, essa definição tem
o objetivo de “isentar os causadores de danos ambientais da obrigação
de reparar o dano, sem exigir qualquer circunstância para a dispensa
desta reparação”.
Foto: Agência Brasil
Desmatamento em aldeia indígena na Floresta Amazônica
O documento afirma que, diferentemente das áreas urbanas
consolidadas, onde a recuperação integral das áreas de preservação
permanente significaria “custos sociais e econômicos desproporcionais,
(...) nas áreas rurais a recuperação das áreas de preservação permanente
é de enorme importância e pode ser obtida sem impor um ônus excessivo
aos proprietários rurais”.
Na avaliação do grupo, isso será objeto de “veto presidencial” e de
“ação direta de inconstitucionalidade” em ações civis públicas.
Segundo o estudo, “é patente violação” da Constituição e lesivo ao
meio ambiente permitir o uso da Floresta Amazônica brasileira, Mata
Atlântica, Serra do Mar, Pantanal Mato-Grossense e Zona Costeira fora de
condições de preservação. A recomendação do MPF é que o patrimônio
nacional desses biomas seja absolutamente preservado, sem uso, inclusive
quanto dos recursos naturais, a não ser em caráter excepcional e
mediante a presença de requisitos e condições.”
Os procuradores veem no projeto do novo código “a completa
descaracterização do regime de proteção das áreas de preservação
permanente”. Não há menção expressa no código à proteção integral dos
manguezais, dunas e de vegetação de restinga.
Outra crítica feita é à isenção a empreendimentos de abastecimento
público de água e de geração de energia elétrica de manterem a Reserva
Legal. “Este é um dos custos ambientais do empreendimento e tem que ser
suportado pelo empreendedor, não podendo haver isenção, que caracteriza
violação do dever geral de proteção ambiental previsto na Constituição e
da exigência constitucional de que a propriedade atenda sua função
social”, diz o texto.
De acordo com o estudo, o projeto comete “gravíssimas falhas” ao
reduzir “significativamente a quantidade de área ambientalmente
protegida, afrontando de forma clara os dispositivos constitucionais de
proteção ao meio ambiente”.
Procuradores veem "impunidade" para quem desmata
Foto: Getty Images
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Os manguezais não são protegidos expressamente pelo Novo Código Florestal
Para os procuradores, “a sucessão de prazos, anistias e
flexibilizações presentes em nossa legislação ambiental (...) gera a
sensação de completa impunidade, fazendo com que o produtor que sempre
observou a legislação em vigor fique em situação de clara desvantagem e
sinta-se altamente estimulado a também desrespeitar as normas
ambientais”. Isso também deixaria uma “porta aberta” para fraudes,
devido à “situação caótica e precária de funcionamento de nosso sistema
de registro de imóveis, especialmente na Amazônia”.
Outro ponto muito criticado é a “anistia aos desmatadores”, porque
“impede a lavratura de autos de infração e suspende as sanções já
aplicadas para os ilícitos ambientais anteriores a julho de 2008.
Segundo o MPF, a anistia, sob o pretexto de regularizar situações que
“estão irregulares há várias décadas”, “beneficiará aqueles que
continuaram desmatando ilegalmente em épocas recentes”.O MPF considera
uma “involução” a alteração que permite a compensação da reserva legal
mesmo por quem desmatou vegetação, sem autorização, após dezembro de
1998, “por quem tinha plena consciência de que não poderia fazê-lo”.
Multa faz com que árvore valha mais em pé do que derrubada
O estudo alerta que o um artigo do código pode permitir “transformar
grandes áreas de vegetação nativa da Amazônia em carvão, pois não exige
que o suprimento seja feito por florestas plantadas, o que é exigido
pelo código atual”. O MPF considera o projeto de lei “permissivo demais”
ao prever que a autorização para o uso de fogo na vegetação seja
estabelecida por órgão estadual.
“O instrumento econômico para preservação da vegetação deve ser
entendido como aquela medida adotada pelo Poder Público que faz com o
que o proprietário de área com cobertura florestal seja estimulado, sob o
ponto de vista econômico, a preservá-la. Em outras palavras, é aquele
instrumento que faz com que uma árvore valha mais em pé do que
derrubada.”
Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/novo-codigo-florestal-e-retrocesso-e-viola-constituicao-diz-estudo-do-mpf/n1597331208352.html
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