CLT OBRIGA O PODER EXECUTIVO A PAGAR ENCARGOS TRABALHISTAS DE EMPRESAS?
SERÁ QUE É VERDADE?
Em recente manifestação pública
(27/03/2020), o presidente da República Jair Bolsonaro afirmou que existe
dispositivo legal na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que permitiria ao
empresariado brasileiro obrigar o Poder Executivo (estadual e municipal) em
arcar com o pagamento dos encargos trabalhistas, caso seu estabelecimento
tivesse sido fechado por determinação governamental.
Será que tal afirmação procede? Veremos.
Inicialmente é necessário
verificar o próprio texto legal. O que consta nele:
Art. 486 -
No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato
de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou
resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento
da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
Toda esta relação parece muito
simples, mas, na verdade, não o é. Referida questão é muito polêmica, tanto que
o Tribunal Superior do Trabalho, em face do pronunciamento presidencial, se
prepara para se manifestar sobre a questão.
Referido artigo diz respeito a
hipótese conhecida como factum principis, ou, o fato de príncipe, que
nada mais é do que a ocorrência de uma espécie de força maior. Nesta hipótese,
o evento imprevisível que pode onerar excessivamente uma empresa ou, até mesmo
determinar seu fechamento, decorre de uma determinação governamental. Há,
portanto, forte semelhança com o que vem acontecendo em muitos estados e
municípios brasileiros.
Na atual situação, a determinação
governamental para o combate a pandemia do COVID-19 pode realmente ser
entendida como a ocorrência do fato de príncipe, caso venha a causar tremendo
impacto na atividade da empresa, que a deixe totalmente debilitada. Em síntese:
a administração pública, que não pode intervir na atividade empresarial ao
ponto de lhe causar prejuízos, vem, neste momento, assim se comportando e,
destarte, eventuais prejuízos decorrentes se seus “decretos de quarentena”
podem, realmente, obrigá-la a proceder indenizações futuras. Esse é um quadro possível.
Atualmente o meio jurídico se
encontra dividido em suas opiniões, em relação a interpretação do artigo 486 da CLT.
Há quem defenda que referido dispositivo não
se aplica na situação enfrentada pelo Brasil, haja vista que estamos diante de
uma grave crise de saúde (calamidade pública na área de saúde), cujas regras de
profilaxia e combate decorrem de orientações da Organização Mundial de Saúde
(OMS) e que buscam salvar vidas humanas.
Outros, por sua vez, defendem que tal regra, por ser
de 1951 (introduzido no ordenamento jurídico nacional no contexto da Constituição de 1934), reflete os problemas que ocorriam naquela época e que dizia respeito
tão somente ao término de uma atividade por determinação estatal, ou seja, todo
o empreendimento era inviabilizado pelo Executivo, o que não ocorre na atual
crise. Alguns ainda afirmam que os atuais “decretos de quarentena” não
configuram o fato de príncipe previsto no artigo 486 da CLT, pois neles estão
encartados alternativas ao fechamento de uma empresa.
Entretanto, há juristas que
defendem que os "decretos de quarentena" emitidos pelo Executivo, dos três níveis
governamentais, são suficientes para que o empresário que teve inviabilizado
seu negócio possa interpor ação judicial contra o governante, de forma a
obriga-lo a pagar as verbas indenizatórias de seus empregados (FGTS, como por
exemplo).
Tal questão é presente nos
tribunais trabalhistas. Veja, por exemplo, o que pensa o Tribunal Superior do
Trabalho no tocante ao fato de príncipe:
AGRAVO DE
INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI N . º 13.015/2014.
DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL RURAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. FACTUM PRINCIPIS.
CARACTERIZAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 486 DA CLT. No caso vertente, de acordo
com o quadro fático delineado pela decisão regional, a rescisão do contrato
de trabalho dos reclamantes deu-se por meio de ato da Administração Pública
(desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária), bem como que os
proprietários do imóvel não concorreram para a desapropriação do imóvel e não
tiveram como evitá-la. Esta Corte, em casos análogos, tem admitido a
responsabilidade indenizatória do ente estatal com fulcro no art. 486 da CLT,
quando restou comprovado que empregador não concorreu, direta ou indiretamente,
para o encerramento das atividades empresariais. Nessa linha, descabe falar em
violação 486 da CLT, tendo em vista a conclusão do acórdão regional de que o
empregador não concorreu para a desapropriação do imóvel, razão pela qual
restou caracterizada a hipótese de factum principis prevista no dispositivo
legal referenciado. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega
provimento. (TST - AIRR: 17644420135030038, Relator: Maria Helena Mallmann,
Data de Julgamento: 20/09/2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/09/2017)
Aprecie mais uma decisão:
COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE FACTUM PRINCIPIS. -O artigo
486, § 3º, da CLT foi introduzido no ordenamento jurídico nacional no contexto
da Carta Magna de 1934, quando ainda não era reconhecida, constitucionalmente,
a competência desta Justiça Especializada para examinar causas em que
figurassem como partes os entes da Administração Pública. Todavia, a análise da
evolução constitucional das atribuições da Justiça do Trabalho conduz ao
entendimento de que a CF/88 retirou os fundamentos de validade daquele
dispositivo celetário, na medida em que lhe foi atribuída, pelo artigo 114, a competência
para dirimir controvérsias decorrentes da relação de trabalho entre Entidade de
Direito Público e trabalhadores. Restando configurado que o fundamento do
pedido está assente na relação de emprego - já que o ente público, na
ocorrência do factum principis, se estabelece na relação processual como
litisconsorte necessário, participando efetivamente da relação processual e
diante da natureza trabalhista da indenização perseguida, é de se concluir que
compete à Justiça Obreira apreciar tanto a questão relativa à caracterização do
factum principis, como o pleito de indenização, a cargo do governo responsável
pelo ato que originou a rescisão contratual. Violação do artigo 114 da
Constituição Federal de 1988.-(TST-RR-596.021/1999.6, Ministro Renato de Lacerda
Paiva - 2ª Turma, DJ-16/04/2004). Recurso conhecido e provido. (TST - RR:
6053655219995065555 605365-52.1999.5.06.5555, Relator: José Simpliciano Fontes
de F. Fernandes, Data de Julgamento: 14/12/2005, 2ª Turma,, Data de Publicação:
DJ 17/03/2006.)
Assim, não há dúvida de que
muitos empresários irão se aproveitar deste dispositivo legal na defesa de seus
interesses. Grandes debates entre a atividade empresarial e o Poder Público serão
travados nos tribunais brasileiros.
Fique atento. Se este for o seu
caso, procure seu advogado. Nós, da Scudeller de Almeida Advogados estamos
capacitados a orientá-los em tal questão.
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